Quando o inverno se aproxima e a noite veste seu manto frio, nada é mais acolhedor que uma sopa fumegante. É um abraço quente que aquece não só o estômago, mas também a memória. Esta sopa de feijão ou minestra, não é apenas receita — é lembrança. Aprendi com minha vizinha de infância, entre risos e cheiros de cozinha, como se cada colher fosse um pedaço daquelas noites simples e cheias de afeto.
Então, senta que lá vem historinha: a minestra da Dona Martha.
Quando criança, lá em Urussanga, a vida parecia caber inteira nas ruas de chão batido e no quintal de Dona Martha, nossa vizinha. Eu brincava com o filho dela, o Ninho, e éramos tão pequenos que a memória ainda me traz a cena: eu e outro amiguinho, o Neivan, sentados no chão, esperando o Ninho terminar de mamar. Aquilo era tão natural quanto o vento que balançava as parreiras. Devíamos ter uns quatro anos — quatro anos de uma infância que parecia infinita.
Eu não me encaixava nas brincadeiras de boneca, nas casinhas de mentira ou nos laços de fita. Meu mundo era outro. Era feito de Fort Apache, de Submarino (inspirado na “Viagem ao Fundo do Mar“) e das aventuras sem destino na minha bicicleta . Éramos três equilibrados numa só magrela — o Ninho pedalando, eu sentada no quadro, o Neivan na garupa. Era liberdade em estado puro.
E tinha a minestra. Ah, a minestra de Dona Martha! Ela fazia como ninguém, com um tempero que só ela sabia. Quando o cheiro escapava da cozinha, ela mandava me chamar. Eu corria. Não existia essa palavra “gourmet”, nem “culinária autoral”. Existia comida feita de memória, de paciência e de afeto. Receita que passava de avó para mãe, de mãe para filha — e às vezes para a vizinha, como aconteceu comigo, pouco antes de Dona Martha partir.
Hoje, cada colher dessa receita é um mergulho no tempo. É o gosto de um mundo que não volta mais, de uma infância que cabe numa panela só. Ali, entre legumes, caldo e amor, havia também um pedaço da história de todos nós.
INGREDIENTES
- 4 xícaras de chá de feijão cozido como caldo
- 2 ninhos de macarrão cabelinho de anjo ou 1 xícara de chá de arroz cozido
- 1 xícara de chá de cebolinha verde picada
- 1 colher de sopa de azeite
- 2 dentes de alho picados e amassados
- ½ colher de chá de cominho moído
- 1 colher de sopa de vinagre
- Pimenta e sal se necessário
- Queijo parmesão ralado para salpicar
MODO DE FAZER
- Bata no liquidificador o feijão cozido com um pouco de água.
- Coloque numa panela em fogo baixo até ferver.
- Quando ferver, junte o macarrão. Essa parte é bem rápida.
- Enquanto isso, coloque em uma frigideira o azeite e o alho.
- Quando o alho perfumar, coloque a cebolinha só até murchar um pouco.
- Acrescente o cominho e o vinagre e deixe evaporar.
- Junte tudo à sopa, coloque a pimenta e verifique o sal.
- Salpique um pouco de queijo ralado e cebolinha verde em cada prato.
- Sirva em seguida.

E assim, a cada vez que preparo esta sopa, sinto que abro uma porta secreta para aquele quintal, para as ruas de paralelepípedo e para a cozinha de Dona Martha. O vapor que sobe da panela parece trazer de volta os risos, o barulho das bicicletas, o cheiro da terra molhada depois da chuva.
Cada colher é uma prece silenciosa, um jeito de agradecer por ter vivido tudo aquilo. Talvez seja isso que a comida faz de melhor: nos lembrar de quem fomos e de quem ainda somos, aquecendo corpo e alma. No fundo, esta minestra não é só alimento — é um fio invisível que me costura ao passado e me faz sentir, por alguns minutos, que a infância nunca acabou.
E você? Qual é a receita que te transporta de volta para a infância, para a casa da avó ou para um momento que mora no seu coração? Conte nos comentários — quero conhecer o sabor das suas memórias também.